sábado, 17 de setembro de 2011

Trabalhando com fatos históricos e saindo do lodo dos misticismos

Eric Hobsbawm fala do 11/9 e de um mundo sem rumo onde se quer provar
o gosto da diversidade

Laura Greenhalgh, O Estado de S. Paulo, 10 de setembro de 2011

O ataque às torres gêmeas do World Trade Center, há exatos dez anos,
num atentado que não só amputou a paisagem de Nova York, mas acima de
tudo tirou a vida de milhares de pessoas, acordando o mundo para tensões
inauditas, foi a mais completa experiência de uma catástrofe de que se
tem notícia, afirma com convicção o historiador britânico Eric Hobsbawm,
nesta entrevista exclusiva ao Aliás. “Porque foi vista em cada aparelho
de TV, nos dois hemisférios”, justifica em seguida. Mas, quando ele
coloca a mesma catástrofe no plano maior da história das civilizações,
daí faz com que afirmação superlativa submeta-se a outras associações de
ideias, que nos convidam a pensar. E pensar muito.
Aos 94 anos, Eric John Ernest Hobsbawm mais uma vez dá provas de que o
caminhar da humanidade se faz com passos que medem séculos e a melhor
unidade da história, no seu jeito de ver o mundo, é a “era”, e não os
dias, os anos, nem mesmo as décadas. Aqui mesmo, nestas páginas, ele nos
contará por que acha que já entramos na ‘era do declínio americano’,
sem em nenhum momento subestimar o país que por muito tempo ainda
exportará seu formidável “soft power” – o cinema, a música, a
literatura, a moda, os estilos de vida, enfim, todo um aparato cultural.
Hobsbawm concedeu esta entrevista dias atrás, de regresso a Londres
depois do descanso de verão. Respondeu por escrito ao conjunto de
perguntas. Ao construir as respostas, vê-se como selecionou os exemplos
que melhor ilustram seu raciocínio, sempre com invejável disposição
intelectual. Ao final do questionário, e depois de revelar até os
projetos que gostaria de desenvolver “se fosse mais jovem”, terminou a
entrevista com a seguinte afirmação: “Isso é tudo o que eu quero dizer”.
Autor de A Era das Revoluções, A Era do Capital, A Era dos Impérios e A
Era dos Extremos,
em que tece uma ‘breve história’ do século 20, questiona assimilações
como a superioridade cultural do Ocidente, por vezes invólucro de uma
arrogância histórica que hoje mal disfarça a incapacidade de entender,
afinal de contas, o que vem a ser uma sociedade tribal ou um califado.
Por outro lado, acha que a intensificação dos fluxos migratórios,
levando incessantemente gente jovem de um canto a outro do planeta,
embora gere muita xenofobia, gera também uma visão mais disseminada da
diversidade do mundo. Visão que a geração de Hobsbawm, nascido em 1917
no Egito sob domínio inglês, numa família judia mais tarde perseguida
pelo nazismo, definitivamente não teve.
Professor (emérito) da Universidade de Cambridge, na Inglaterra, e da
New School for Social Research, em Nova York, Hobsbawm só é capaz de
compreender o historiador como um “observador participante”, além de se
autodefinir também como um “viajante de olhos abertos e jornalista
ocasional”. Chega a recomendar aos seus leitores que tentem tomar o que
ele escreve “na base da confiança”, porque embora pesquise
incansavelmente, se dispensa das referências bibliográficas sem fim e
das enfadonhas exibições de erudição. Por isso, seguramente, seu estilo é
inconfundível.
Marx, ele descobriu na juventude. Ao fixar-se em Londres, logo
alistou-se no Partido Comunista e, depois, no exército britânico, para
combater Hitler. Evidentemente Hobsbawm foi cobrado pelo método marxista
de análise que ainda hoje utiliza, especialmente quando muitos dos seus
pares trataram de rever posições, a partir do desmoronamento do mundo
soviético. Em sua autobiografia, Tempos Interessantes
(lançada em 2002 pela Companhia das Letras, assim como outros títulos
importantes do autor), ele próprio já tratava de acalmar os
fustigadores: “A história poderá julgar minhas opiniões políticas – na
verdade em grande parte já as julgou – e os leitores poderão julgar meus
livros. O que busco é o entendimento da história, e não concordância,
aprovação ou comiseração”.
No livro Globalização, Democracia e Terrorismo, de
2007, o senhor passa para os leitores certo pessimismo ao lhes colocar
uma perspectiva crucial e ao mesmo tempo desconfortante: ‘Não sabemos
para onde estamos indo’, diz, referindo-se aos rumos mundiais. Olhando
as últimas décadas pelo retrovisor da história esse sentimento parece
ter se intensificado. Em que outros momentos a humanidade viveu períodos
marcados por essa mesma sensação de falta de rumos?
Embora existam diferenças entre os países, e também entre as
gerações, sobre a percepção do futuro – por exemplo, hoje há visões mais
otimistas na China ou no Brasil do que em países da União Europeia e
nos Estados Unidos -, ainda assim acredito que, ao pensar seriamente na
situação mundial, muita gente experimente esse pessimismo ao qual você
se refere. Porque de fato atravessamos um tempo de rápidas
transformações e não sabemos para onde estamos indo, mas isso não
constitui um elemento novo em tempos críticos. Tempos que nos remetem ao
mundo em ruínas depois de 1914, ou mesmo a vários lugares daquela
Europa entre duas grandes guerras ou na expectativa de uma terceira.
Aqueles anos durante e após a 2ª Guerra foram catastróficos, ali ninguém
poderia prever que formato o futuro teria ou mesmo se haveria algum
futuro. Cruzamos também os anos da Guerra Fria, sempre assustadores pela
possibilidade de uma guerra nuclear. E, mais recentemente, notamos a
mesma sensação de desorientação ao vermos como os Estados Unidos
mergulharam numa crise econômica que até parece ser o breakdown do
capitalismo liberal.
Nações saíram empobrecidas, arruinadas mesmo, das guerras
mundiais, mas é adequado pensar que havia naqueles escombros o desenho
de um futuro?
Sim. Se de um lado o futuro nos era desconhecido e cada vez mais
inesperado, havia por outro lado uma ideia mais nítida sobre as opções
que se apresentavam. No entreguerras, a escolha principal de um modelo
se dava entre o capitalismo reformado e o socialismo com forte
planejamento econômico – supremacia de mercado sem controle era algo
impensável. Havia ainda a opção entre uma democracia liberal, o fascismo
ultranacionalista e o comunismo. Depois de 1945, o mundo claramente se
dividiu numa zona de democracia liberal e bem-estar social a partir de
um capitalismo reformado, sob a égide dos EUA, e uma zona sob orientação
comunista. E havia também uma zona de emancipação de colônias, que era
algo indefinido e preocupante. Mas veja que os países poderiam encontrar
modelos de desenvolvimento importados do Ocidente, do Leste e até mesmo
resultante da combinação dos dois. Hoje esses marcos sinalizadores
desapareceram e os ‘pilotos’ que guiariam nossos destinos, também.
Como o senhor avalia o poder das imagens de destruição nos
ataques do 11/9 a Nova York, tão repetidas nos últimos dias? Tornaram-se
o símbolo de uma guinada histórica, apontando novas relações entre
Ocidente e Oriente? Por que imagens do cenário de morte de Bin Laden
surtiram menos impacto?
A queda das torres do World Trade Center foi certamente a mais
abrangente experiência de catástrofe que se tem na história, inclusive
por ter sido acompanhada em cada aparelho de televisão, nos dois
hemisférios do planeta. Nunca houve algo assim. E sendo imagens tão
dramáticas, não surpreende que ainda causem forte impressão e tenham se
convertido em ícones. Agora, elas representam uma guinada histórica? Não
tenho dúvida de que os Estados Unidos tratam o 11/9 dessa forma, como
um turning point, mas não vejo as coisas desse modo. A não ser pelo fato
de que o ataque deu ao governo americano a ocasião perfeita para o país
demonstrar sua supremacia militar ao mundo. E com sucesso bastante
discutível, diga-se. Já o retrato de Bin Laden morto (que não foi
divulgado) talvez fosse uma imagem menos icônica para nós, mas poderia
se converter num ícone para o mundo islâmico. Da maneira deles, porque
não é costume nesse mundo dar tanta importância a imagens,
diferentemente do que fazemos no Ocidente, com nossas camisetas
estampando o rosto de Che Guevara.
Mas além da chance de demonstrar poderio militar, os Estados
Unidos deram uma guinada na sua política externa a partir de 2001,
ajustando o foco naquilo que George W. Bush batizou como ‘war on
terror’. Outro encaminhamento seria possível?
Eu diria que a política externa americana, depois de 2001, foi
parcialmente orientada para a guerra ao terror, e fundamentalmente
orientada pela certeza de que o 11/9 trouxe para os EUA a primeira
grande oportunidade, depois do colapso soviético, de estabelecer uma
supremacia global, combinando poder político-econômico e poder militar.
Criou-se a situação propícia para espalhar e reforçar bases militares
americanas na Ásia central, ainda uma região muito ligada à Rússia. Sob
esse aspecto, houve uma confluência de objetivos – combate-se o inimigo
ampliando enormemente a presença militar americana. Mas, sob outro
aspecto, esses objetivos conflitaram. A guerra no Iraque, que no fundo
nada tinha a ver com a Al-Qaeda, consumiu atenção e uma enormidade de
recursos dos EUA, e ainda permitiu à organização liderada por Bin Laden
criar bases não só no Iraque, mas no Paquistão e extensões pelo Oriente
Médio.
Os Estados Unidos lançaram-se nessa campanha sabendo o tamanho do inimigo?
O perigo do terrorismo islâmico ficou exagerado, a meu ver. Ele matou
milhares de pessoas, é certo, mas o risco para a vida e a sobrevivência
da humanidade que ele possa representar é muito menor do que o que se
estima. Exemplo disso são as importantes mudanças que ocorreram neste
ano no mundo árabe, mudanças que nada devem ao terrorismo islâmico. E
não só: elas o deixaram à margem. Agora, o mais duradouro efeito da war
on terror, aliás, uma expressão que os diplomatas americanos finalmente
estão abandonando, terá sido permitir que os Estados Unidos revivessem a
prática da tortura, bem como permitir que os cidadãos fossem alvo de
vigilância oficial. Isso, claro, sem falar das medidas que fazem com que
a vida das pessoas fique mais desconfortável, como ao viajar de avião.
Diante dos problemas econômicos que hoje afligem os Estados
Unidos, ainda sem um horizonte de recuperação à vista, o senhor diria
que seguimos em direção a um tempo de declínio da hegemonia americana?
Nós de fato caminhamos em direção à Era do Declínio Americano. As
guerras dos últimos dez anos demonstram como vem falhando a tentativa
americana de consolidar sua solitária hegemonia mundial. Isso porque o
mundo hoje é politicamente pluralista, e não monopolista. Junto com toda
a região que alavancou a industrialização na passagem do século 19 para
o século 20, hoje a América assiste à mudança do centro de gravidade
econômica do Atlântico Norte para o Leste e o Sul. Enquanto o Ocidente
vive sua maior crise desde os anos 30, a economia global ainda assim
continua a crescer, empurrada pela China e também pelos outros Brics.
Ainda assim, não devemos subestimar os Estados Unidos. Qualquer que
venha a ser a configuração do mundo no futuro, eles ainda se manterão
como um grande país e não apenas porque são a terceira população do
planeta. Ainda vão desfrutar, por um bom tempo, da notável acumulação
científica que conseguiram fazer, além de todo o soft power global
representado por sua indústria cultural, seus filmes, sua música, etc.
Não só por desdobramentos político-militares do 11/9, mas
também pela emergência de novos atores no mundo globalizado, criam-se
situações bem desafiadoras. Por exemplo, o que o Ocidente sabe do Islã? E
dos países árabes que hoje se levantam contra seus regimes? Qual é o
grau de entendimento da China? Enfim, o Ocidente enfrenta dificuldades
decorrentes de uma certa superioridade cultural ou arrogância histórica?
Ao longo de toda uma era de dominação, o Ocidente não só assumiu que
seus triunfos são maiores do que os de qualquer outra civilização, e que
suas conquistas são superiores, como também que não haveria outro
caminho a seguir. Portanto, ao Ocidente restaria unicamente ser imitado.
Quando aconteciam falhas nesse processo de imitação, isso só reforçava
nosso senso de superioridade cultural e arrogância histórica. Assim,
países consolidados em termos territoriais e políticos, monopolizando
autoridade e poder, olharam de cima para baixo para países que
aparentemente estavam falhando na busca de uma organização nas mesmas
linhas. Países com instituições democráticas liberais também olharam de
cima para baixo para países que não as tinham. Políticos do Ocidente
passaram a pensar democracia como uma espécie de contabilidade de
cidadãos em termos de maiorias e minorias, negando inclusive a essência
histórica da democracia. E os colonizadores europeus também se acharam
no direito de olhar populações locais de cima para baixo, subjugando-as
ou até erradicando-as, mesmo quando viam que aqueles modos de vida
originais eram muito mais adequados ao meio ambiente das colônias do que
os modos de vida trazidos de fora. Tudo isso fez com que o Ocidente
realmente desenvolvesse essa dificuldade de entender e apreciar avanços
que não fossem os próprios.
Essa superioridade do Ocidente pode mudar com a emergência de uma potência
como a China?
Mas mesmo a China, que no passado remoto era tida como uma
civilização superior, foi subestimada por longo tempo. Só depois da 2ª
Guerra é que seus avanços em ciência e tecnologia começaram a ser
reconhecidos. E só recentemente historiadores têm levantado as
extraordinárias contribuições chinesas até o século 19. Veja bem, ainda
não sabemos em que medida a cultura, a língua e mesmo as práticas
espirituais da Pérsia, hoje Irã, enfim, em que medida aquele fraco e
frequentemente conquistado império influenciou uma grande parte da Ásia,
do Império Otomano até as fronteiras da China. Sabemos? Temos grande
dificuldade em compreender a natureza das sociedades nômades, bem como
sua interação com sociedades agrícolas assentadas, e hoje a falta dessa
compreensão torna quase impossível traduzir o que se passa em vastas
áreas da África e da região do Saara, por exemplo, no Sudão e na
Somália. A política internacional fica completamente perdida quando
confrontada por sociedades que rejeitam qualquer tipo de estado
territorial ou poder superior ao do clã ou da tribo, como no Afeganistão
e nas terras altas do sudoeste asiático. Hoje achamos que já sabemos
muito sobre o Islã, sem nem sequer nos darmos conta de que o radicalismo
xiita dos aiatolás iranianos e o sonho de restauração do califado por
grupos sunitas não são expressões de um Islã tradicional, mas adaptações
modernistas, processadas o longo século 20, de uma religião prismática e
adaptável.
Com todos esses exemplos de ‘mundos’ que se estranham, o senhor diria que
a história corre o risco das distorções?
Apesar de todos esses exemplos, sou forçado a admitir que a
arrogância histórica ocidental inevitavelmente se enfraquece, exceto em
alguns países, entre eles os EUA, cujo senso de identidade coletiva
ainda consiste na crença de sua própria superioridade. Nos últimos dez
anos, a história tomou outro curso, muito afetada pelas imigrações
internacionais que permitem a mulheres e homens de outras culturas virem
para os “nossos” países. Dou um exemplo: hoje a informação municipal na
região de Londres onde vivo está disponível não apenas em inglês, mas
em albanês, chinês, somali e urdu. A questão preocupante é que, como
reação a tudo isso, surge também uma xenofobia de caráter populista, que
se propaga até nas camadas mais educadas da população. Mas,
inegavelmente, numa cidade como Londres ou Nova York, onde a presença
dos imigrantes de várias partes é forte, existe hoje um reconhecimento
maior da diversidade do mundo do que se tinha no passado. Turistas que
buscam destinos na Ásia, África ou até mesmo no Caribe costumam não
entender a natureza das sociedades que cercam seus hotéis, mas jovens
mulheres e homens que hoje viajam, a trabalho ou estudos, para esses
lugares, já criam outra compreensão. Em resumo, apesar da expansão de
xenofobia, há motivos para otimismo porque a compreensão abrangente do
nosso tempo complexo requer mais do que conhecimento ou admiração por
outras culturas. Requer conhecimento, estudo e, não menos importante,
imaginação.
Imaginação?
Sim, porque essa compreensão abrangente é frequentemente dificultada
pelo persistente hábito de políticos e generais passarem por cima do
passado. O Afeganistão é um clamoroso exemplo do que estou dizendo. Temo
que não seja o único.
Na sua opinião, estaríamos atravessando um momento regressivo
da humanidade quando fundamentalismos religiosos impõem visões de mundo
e modos de vida?
O que vem a ser um momento regressivo? Esta é a pergunta que faço.
Não acredito que nossa civilização esteja encarando séculos de regressão
como ocorreu na Europa Ocidental depois da queda do Império Romano. Por
outro lado, devemos abandonar a antiga crença de que o progresso moral e
político seja tão inevitável quanto o progresso científico, técnico e
material. Essa crença tinha alguma base no século 19. Hoje o problema
real que se coloca, o maior deles, é que o poder do progresso material e
tecnocientífico, baseado em crescente e acelerado crescimento
econômico, num sistema capitalista sem controle, gera uma crise global
de meio ambiente que coloca a humanidade em risco. E, à falta de uma
entidade internacional efetiva no plano da tomada de decisão, nem o
conhecimento consolidado do que fazer, nem o desejo político de governos
nacionais de fazer alguma coisa estão presentes. Esse vazio decisório e
de ação pode, sim, levar o nosso século para um momento regressivo. E
certamente isso tem a ver com aquele “sentido de desorientação” que
discutimos no início da entrevista.
Apoiado na sua longa trajetória acadêmica, que conselhos o senhor daria
aos jovens historiadores de hoje?
Hoje pesquisar e escrever a história são atividades fundamentais, e a
missão mais importante dos historiadores é combater mitos ideológicos,
boa parte deles de feitio nacionalista e religioso. Combater mitos para
substituí-los justamente por história, com o apoio e o estímulo de
muitos governos, inclusive. Se eu fosse jovem o suficiente, gostaria de
participar de um excitante projeto interdisciplinar que recorresse à
moderna arqueologia e às técnicas de DNA para compor uma história global
do desenvolvimento humano, desde quando os primeiros Homo sapiens
tenham aparecido na África oriental e como elas se espalharam pelo
globo. Agora, se eu fosse um jovem historiador latino-americano, daí eu
poderia ser tentado a investigar o impacto do meu continente sobre o
resto do mundo. Isso, desde 1492, na era dos descobrimentos, passando
pela contribuição material desse continente a tantos países, com metais
preciosos, alimentos e remédios, até o efeito da América Latina sobre a
cultura moderna e a compreensão do mundo, influenciando intelectuais
como Montaigne, Humboldt, Darwin. E, evidentemente, eu pesquisaria a
riqueza musical do continente, fosse eu um latino-americano. Isso é tudo
o que eu quero dizer.

quarta-feira, 31 de agosto de 2011

O vexame dos transportes no Brasil

O Brasil é o quarto maior país em área continua do planeta: a distância entre o Rio de Janeiro e o Acre, ou entre o Rio Grande do Sul e o Ceará, equivale à de Lisboa a Moscou. São dimensões continentais que exigem grande esforço para serem vencidas e tornam nosso sistema de transportes fundamental para nossa integração e desenvolvimento.

Assim, os grandes países, como Canadá, China, Rússia, Estados Unidos, e a União Europeia, se esforçam continuamente para reduzir os custos de transporte, investindo e modernizando a infraestrutura e tornando as distâncias cada vez menos importantes na equação econômica. Porém, no Brasil, os longos trajetos são vencidos predominantemente por caminhão. Esta distorção nos impõe extraordinários prejuízos, dentre os quais uma ocupação territorial desequilibrada onde se destaca uma vasta região interior de acesso caro e difícil, pouco povoada, contrastando com uma faixa costeira abrigando quase 80% da população e da economia.
Para ilustrar a escala deste absurdo, imaginamos o Brasil possuindo um sistema de transporte semelhante ao do Canadá, com sua participação racional de rodovias, ferrovias e navegação, cada qual atuando em sua faixa própria: caminhões em distâncias curtas e médias, ferrovias e navegação nos trajetos maiores e nos troncos de grande densidade de tráfego). E calculemos os benefícios resultantes.
Um PIB a mais de benefícios
As contas foram efetuadas à luz da experiência que acumulamos no desenvolvimento dos grandes corredores ferroviários de Carajás, Norte – Sul, Ferronorte e Centroleste. Os resultados obtidos foram extraordinários: ao longo dos próximos 25 anos, o PIB brasileiro cresceria cerca de 3,8 trilhões de reais, o que equivale ao PIB atual. Ou seja, cresceríamos um PIB a mais no período considerado. Seriam arrecadados 660 bilhões de reais adicionais em impostos, economizaríamos 130 bilhões em manutenção rodoviária e 30 bilhões em acidentes. Além do fator financeiro, cerca de 360 mil mortes nas rodovias seriam evitadas.
As empresas também se beneficiariam muito. Elas fariam uma economia de por volta de 800 bilhões de reais em frete, uma fantástica quantia que seria reinvestida em suas atividades, aumentando a competitividade, reduzindo preços, ampliando mercados e aliviando pressões inflacionárias. O país deixaria de consumir cerca de 600 bilhões de reais em óleo diesel, energia equivalente a dez vezes a geração anual de Itaipu, evitando a emissão de 800 milhões de toneladas de dióxido de carbono, uma significativa contribuição à mitigação do aquecimento global.
As ligações ferroviárias e hidroviárias entre a vasta região central e a faixa litorânea do país, reduzindo os elevados fretes atuais, induziriam uma onda de desenvolvimento no interior, gerando mais de 30 milhões de empregos distribuídos por centenas de novas cidades. Tal ocorrência poderia absorver a sobrecarga dos grandes fluxos migratórios dos municípios costeiros. Por sua vez, as próprias cidades litorâneas, substituindo o caminhão pela navegação de cabotagem, estimulariam fortemente o comércio entre si, que é feito atualmente por estradas em condições precárias, sobretudo. Seriam inúmeras oportunidades de desenvolvimento, inclusive integrando os grandes centros litorâneos do País com as dos países vizinhos, desde a Patagônia até a Venezuela.
Ao contrário do que parece, para este resultado não seria necessária uma quantia muito alta de investimentos. O cálculo aponta para uma injeção entre 40 e 60 bilhões de reais, aplicados ao longo de dez anos na construção de troncos ferroviários, aquavias e portos. É uma quantia irrisória em face dos benefícios auferidos. E, como importante conseqüência do processo, planejando com inteligência e focando os interesses do País, poderíamos criar uma poderosa indústria ferroviária, portuária e de navegação próprias, como ocorre com nossa indústria aeronáutica.
A agricultura, uma das grandes vítimas do gargalo do transporte atual, seria grandemente beneficiada, como demonstrado pelos 600 milhões de reais economizados em fretes nos últimos 10 anos pelo Corredor Centroleste (entre Goiânia e Vitoria), onde 1800 quilômetros de ferrovias transportam cerca de quatro milhões de toneladas de grãos por ano, embarcando-as em navios de até 120 mil toneladas. Seria o efeito da transformação da matriz sobre o setor agrícola como um todo.
Como se vê, estamos diante de um projeto transformador do país, cuja realização depende da conscientização e do apoio do governo, da sociedade, dos usuários e dos investidores, contrapondo-se às forças que vem controlando nossa política de transportes por mais de meio século, sustentando uma idade das trevas em termos de logística. Uma era que parece não ter fim, indiferente a  ferrovias, hidrovias, navegação, eclusas, portos, estaleiros, laboratórios, centros de pesquisa e cursos de engenharia. Um período ao longo do qual órgãos públicos foram corrompidos e desestruturados, cargos técnicos ocupados por leigos ou coisa pior, portos tratados como feudos políticos, ferrovias privatizadas sem obrigação de redução de fretes, pulverização de usuários, ampliação da malha, desenvolvimento de novas regiões e eletrificação. A navegação de cabotagem permanece embrionária, e as rodovias, castigadas por excesso de trafego, pesos e manutenção precária.
Os custos do status quo são catastróficos, e seu esquema mantenedor aparenta ser indestrutível, capaz de absorver investidas periódicas e se recompor sempre. Parafraseando Cícero: quosque tandem? Paulo Augusto Vivacqua

quinta-feira, 25 de agosto de 2011

Comparação econômica na Russia


Quanto valem esses copeques





Salário de 548 rublos na URSS era equivalente a 72 centavos de dólar, mas ainda sim dava saúde, alimentação e descanso. Hoje, porém, russos têm mais posses.

Nos meses seguintes à queda da União Soviética, os produtos ocidentais, antes proibidos pelo Partido Comunista, inundaram o país. Vendedores de rua abasteceram suas barracas com papel higiênico macio, jeans da Levi’s, sapatos de qualidade e cigarros de marcas estrangeiras. Mas qual a vantagem dos produtos de qualidade se não há dinheiro para consumi-los?  

 Estudo da escola superior de economia
“Muitas pessoas anseiam pelo passado, época em que a vodca custava 3,62 rublos, a salsinha saía por 2,20 rublos, e o pão, apenas 13 copeques. Hoje, não se compra nada com um rublo”, diz Margarita Vodiánova em uma reportagem do jornal Óbschaia Gazeta. 

O salário mínimo de um russo logo após a queda da União Soviética, em 1991, era de 548 rublos por mês – o equivalente a 72 centavos de dólar americano, considerando a taxa de câmbio – de acordo com Evguêni Gavrilenkov, economista-chefe do banco de invesimento Troika Dialog.

Mas isso ainda era suficiente para ter uma vida decente, já que o Estado fornecia moradia, educação, serviços, assistência médica, creches, férias e casas de repouso. Embora nada disso fosse particularmente de boa qualidade, o acesso a tais benefícios era universal e gratuito. 

Com o salário mínimo padrão, era possível comprar 74 pacotes de pão de forma ou escolher entre: 6,2 kg de carne,  6,5 kg de linguiça, 13,5 litros de óleo vegetal, 163 litros de leite, 6 kg de queijo, 160 ovos, 28 kg de açúcar ou 3,5 litros de vodca.

Um estudo recente da Escola Superior de Economia em parceira com a revista Ekspert sobre as mudanças do padrão de vida dos russos entre 1990 e 2009 constatou que a renda per capita aumentou em 45%. Enquanto isso, o volume de consumo per capita mais do que dobrou, de acordo com os índices de consumo baseados no PIB.
Medindo a qualidade de vida em posses, os russos estão vivendo muito melhor hoje em dia que há 20 anos. Em 2008, um consumidor podia comprar 70% mais bens duráveis, 25% mais comida, e duas a três vezes mais cigarros, vodca, carros e roupas, do que na era soviética.

Ao mesmo tempo, porém, as despesas familiares com educação e cuidados médicos aumentaram substancialmente. A pesquisa aponta que, segundo a OMS (Organização Mundial de Saúde), as despesas com planos privados representam, hoje, 40% dos gastos totais dos russos na área da saúde – um nível bem acima da média na União Europeia.

A média de espaço vital cresceu cerca de 40% ao longo das últimas duas décadas, atingindo o nível atual de 22 metros quadrados per capita - embora ainda se esteja bem atrás de países como a Finlândia, onde esse índice em 2009 correspondia a 39 metros quadrados per capita.

O aumento de 45% da renda é baixo para um período de 20 anos, especialmente porque as receitas caíram durante a maior parte dos anos 90 e só começaram a crescer após a crise financeira de 1998. E, embora a maioria das pessoas goze de rendas mais altas hoje que há 20 anos, a pesquisa mostrou que um em cada cinco russos vive atualmente abaixo de linha da pobreza, em condições piores do que na época dos comunistas.

quinta-feira, 18 de agosto de 2011

"Ossétia do Sul não pode se unir a nós”, diz Medvedev


O presidente Dmítri Medvedev deu recentemente uma polêmica declaração sobre a guerra na Ossétia do Sul, ocorrida em 2008. Em entrevista a RT, rádio Eco de Moscou e Primeira Televisão do Cáucaso realizada em Sôtchi, no sul da Rússia, ele afirmou que, atualmente, “não existem pré-requisitos para a entrada da Ossétia do Sul na Federação Russa”.

Na conversa, Medvedev falou sobre as ações militares promovidas pela Geórgia há três anos, o atual estado das relações entre a Rússia e a Geórgia e a situação das repúblicas independentes da Abecásia e da Ossétia do Sul. Ao ser perguntado sobre o que pode ser feito para melhorar a vida dos moradores das regiões afetadas pelo conflito, bem como a dos refugiados, ele respondeu que a restauração da paz e a manutenção de conversas civilizadas são medidas fundamentais.

 “Iniciativas diplomáticas, negociações e disposição para ouvirem uns aos outros são os pré-requisitos necessários para se resolver essas questões”, disse o líder russo. Ele disse ainda que as partes precisam agir de acordo com a nova realidade política surgida há três anos.

Medvedev contou que tinha tentado estabelecer diálogo com o presidente georgiano Mikhail Saakashvili desde o início, antes dos acontecimentos de 2008, mas ele não atendeu às suas ligações, optando por estabelecer contato com as autoridades americanas. No entanto, afirmou que os Estados Unidos não são responsáveis pelos ataques promovidos contra a Ossétia do Sul.

“Não creio que os americanos tenham estimulado a invasão, mas acredito em discursos sutis e dicas. Talvez eles tenham dado declarações como ‘é hora de restaurar a ordem constitucional’ ou ‘chegou o momento de ser mais assertivo’, o que pode ter efetivamente alimentado as esperanças de Saakashvili de que receberia apoio se houvesse qualquer conflito”, disse o presidente. 

Medvedev também admitiu que poderia ter assumido uma abordagem mais dura nas conversas com o presidente georgiano. “Se, em julho de 2008, eu tivesse percebido que Saakashvili estava cultivando tais planos em sua mente, talvez tivesse me dirigido a ele de forma mais incisiva”, afirmou. “Eu teria tentado arrastá-lo para fora do seu ambiente, trazido o líder da Geórgia para a Rússia ou qualquer país neutro, para conversar, tentar convencê-lo a não assumir tal postura.”

O presidente ressaltou que o líder georgiano cometeu crimes contra a Federação Russa e contra os habitantes do país que comanda. “Centenas de cidadãos foram mortos sob suas ordens, incluindo integrantes das forças de paz. Nunca vou perdoá-lo por isso”, disse, ao ser indagado sobre o estado atual das relações entre a Geórgia e a Rússia. 

Apesar de sua mágoa, ele compreende que Saakashvili era o presidente legalmente eleito da Geórgia e era responsabilidade do povo georgiano dar ou negar-lhe um voto de confiança. Deixou claro, porém, que a situação pode mudar cedo ou tarde e o próximo presidente georgiano tem a chance de reestabelecer relações positivas com a Rússia.

Sobre o porquê do posicionamento russo em relação à Líbia e à Síria, diferente do que é dispensado à Geórgia, Medvedev afirmou que não existem países nem situações idênticas. Para ele, o ditador Muammar Gaddafi comandou a Líbia por quarenta anos e, em determinado momento, decidiu usar a força militar contra o seu próprio povo – atitude condenada tanto pela comunidade internacional como pela Federação Russa. “Bashar Assad, líder da Síria, ainda não deu esse passo”, declarou Medvedev, acrescentando que acredita ainda existir uma chance de acordo com o país árabe. Ele pediu ao sírio que promovesse reformas democráticas em seu país para restaurar a paz entre os grupos de conflito e iniciar a construção de uma sociedade civil.

Ossétia do Sul e Tchetchênia

Medvedev disse que a intervenção russa na Ossétia do Sul foi diferente do que aconteceu na Tchetchênia: em 2008, a Rússia não estava restaurando a paz ou lutando contra extremistas, mas ajudando um Estado independente a impedir um ataque estrangeiro. Também afirmou que havia entrado em contato com o primeiro-ministro russo Vladímir Pútin somente 24 horas após a ação militar ter se iniciado em Tskhinval, já que ele não estava na Rússia e, por isso, foi preciso algum tempo para se estabelecer uma linha de comunicação segura entre os dois governantes.

Em relação às insinuações de que o presidente francês Nicolas Sarkozy o teria convencido a deter o avanço das tropas na capital da Geórgia, o presidente russo disse que isto não é verdade. “Nenhum chefe de Estado pode convencer outro a fazer alguma coisa. Deixe-me enfatizar mais uma vez: tomar cidades nunca foi o nosso objetivo, mas sim parar a máquina de guerra, que estava direcionada a dois territórios separatistas e, infelizmente, aos nossos cidadãos", disse.

Medvedev também garantiu que Sarkozy não teve nenhuma relação com a decisão russa de reconhecer a independência da Abecásia e da Ossétia do Sul. E negou as declarações do Congresso dos EUA, que classificou a ocupação russa do território georgiano como uma determinação infundada. De acordo com ele, “tais declarações refletiram as preferências de alguns integrantes do Senado, que, por razões não objetivas, se alinharam a certos indivíduos” e, por isso, não podem afetar as políticas da Rússia.

Quanto à falta de apoio da Organização do Tratado de Segurança Coletiva (OTSC), da Comunidade dos Estados Independentes (CEI) e da Organização de Cooperação de Xangai (OCX), o presidente russo justificou que os países-membros desses blocos têm suas próprias questões territoriais para resolver e, portanto, tal postura era compreensível.

Sem pré-requisitos para a reunificação

Medvedev assegurou que, em sua opinião, não existiam pré-requisitos para a entrada da Ossétia do Sul na Federação Russa, embora a grande maioria dos moradores dessa república fossem cidadãos russos. “Acho que não há exigências prévias legais ou de fato para que isso aconteça. Esse é o motivo pelo qual os meus decretos solicitaram o reconhecimento dos Estados separatistas como sujeitos do direito internacional”, afirmou.

O líder russo admitiu ainda que a situação deve mudar em 15 ou 20 anos, quando outras opções podem ser consideradas, como a dupla cidadania. Além disso, repetiu que a Rússia continuaria apoiando a Abecásia e a Ossétia do Sul e que mais pessoas desses dois Estados poderiam ganhar cidadania russa, caso fosse do desejo delas.

A Rússia não promoverá nenhuma mudança relativa à sua situação política para ganhar uma posição mais favorável nas negociações em curso para a entrada do país na Organização Mundial do Comércio (OMC). “Isso seria imoral”, disse Medvedev. “Se a Geórgia quiser mudar realidades políticas, apresentando essa exigência como um pré-requisito para a nossa adesão à OMC, não cairemos nessa”, disse o presidente russo. “Não se deve pagar um preço tão alto.”

O presidente russo deixou claro que um bom ponto de partida para restaurar as relações econômicas e políticas com a Rússia seria a remoção das reinvindicações da Geórgia contra a adesão da Rússia à Organização Mundial do Comércio. Ao mesmo tempo, Medvedev também reconheceu que essas barreiras políticas poderiam levar o país de volta ao início do processo de negociação, o que isso seria ruim para todos.


quinta-feira, 11 de agosto de 2011

Unasul discute medidas conjuntas de combate à crise global

epresentantes de instituições públicas dos 12 países que compõem a Unasul (União de Nações Sul-Americanas) estão em Buenos Aires, na Argentina, para discutir a definição de medidas conjuntas na tentativa de proteger a região da crise financeira global. A ideia é implementar o plano denominado de Força-Tarefa de Integração Financeira (GTIF) nos membros do bloco.

As resoluções devem ser votadas e aprovadas no final desta quinta-feira (11/08) pelo Conselho Econômico da América do Sul – que é formado por ministros da Fazenda e os presidentes dos bancos centrais. Desde ontem (10/08), os técnicos discutem os termos para a elaboração do documento conjunto. 



"[O objetivo é] responder à crise como um grupo sub-regional, fiscalmente responsável, e que tem muito a mostrar ao mundo com as lições aprendidas em crises passadas", disse a secretária-geral da Unasul, Maria Emma Mejía.

Inicialmente, o esboço do documento indica que os três primeiros capítulos devem se destinar à construção de uma arquitetura financeira regional sólida capaz de se manter protegida à volatilidade dos mercados internacionais. Os demais capítulos deverão tratar de medidas financeiras e monetárias para orientar os bancos centrais sobre as suas reservas.

Também devem ser incluídas medidas de prevenção, como recomendações para o controle de capital e a busca por um sistema de câmbio flexível. Como estímulo ao comércio regional, serão sugeridas propostas para identificar os setores produtivos que podem se complementar nos diferentes países.

*Com informações da agência pública de notícias do Equador, a Andes.