Dia 11 de julho de 2007. Aeroporto de Guarulhos, São Paulo. Uma mulher é encontrada com a cabeça apoiada numa toalha e pés sobre uma cadeira. São sinais de cansaço, depois dos quatro dias “morando” na sala de desembarque do terminal 2, até que um funcionário da Infraero percebe sua situação e vai ajudá-la. Deportada de Zaragoza, na Espanha, onde era trabalhadora sexual, Maria* tenta, sem sucesso, entrar em contato com os seus familiares. Descendente de mãe índia, nascida em uma cidadezinha localizada a 13 horas de barco de Belém do Pará, Maria estava a milhares de quilômetros de casa.Convidada para ser trabalhadora sexual na Espanha, ela aceitou. Saiu do Brasil com o passaporte e a passagem paga pelo seu “empregador”.O funcionário da Infraero encaminhou a mulher ao Posto de Atendimento Humanizado da Asbrad – Associação Brasileira de Defesa da Mulher, da Infância e da Juventude, que atende brasileiros deportados ou não-admitidos no exterior. Sua história foi identificada como um caso de tráfico para fins de exploração sexual.Como consta no relatório da Asbrad, Maria aparentava “abstinência de drogas” e estava “muito fragilizada”. Tinha muito medo e dificuldade de se comunicar, “pois confundia o português com o espanhol”. Uma das coisas que disse foi que “não queria o cárcere”.Maria morava em Zaragoza, e trabalhava em clubs, onde fazia programas.
Mais recentemente, havia se mudado para um piso, apartamento privativo, procurado por clientes que buscam discrição. A mulher foi obrigada a “fazer muitas coisas contra a sua vontade”. Seus documentos foram apreendidos pelos donos dos clubs e, ela não podia escolher com quem fazer sexo, pois tinha que pagar a dívida da passagem aérea. Em conversa com uma assistente social da Asbrad, demonstrou indignação “com as ‘putas’ brasileiras que não são respeitadas, levam porrada e são obrigadas a se ‘foder’ sem reagir. ‘Desde que cheguei lá, já disse que queria a minha passagem e meu passaporte de volta!”. “A ‘puta’ tem que se respeitar”, dizia, revoltada. “Muitas mulheres saem da minha cidade para a Espanha. Esse homem que me levou tinha que me trazer de volta. Agora, para a Espanha, só vou como turista.”A história de Maria foi registrada pelas assistentes sociais do Posto da Asbrad, como parte do programa de apoio às mulheres e transexuais vítimas de tráfico, no aeroporto de Guarulhos, maior fronteira aérea do país. Fundado em dezembro de 2006, o Posto procura identificar possíveis casos de tráfico, dentre os migrantes brasileiros deportados ou não-admitidos, e ajudá-los em sua chegada ao Brasil. Mesmo depois da assistência oferecida, Maria recusou-se a voltar de avião para Belém, dizendo preferir “pegar carona com um caminhoneiro qualquer”. A Asbrad, por meio de convênio com uma companhia de ônibus, conseguiu uma passagem para Belém, e a moça partiu. Consigo, levou mais 70 reais para o barco e o lanche, doados pela própria associação que recebe apoio de uma organização humanitária holandesa. Fornecedores e receptoresResultado da situação de vulnerabilidade social em que vive parte da população, o Brasil é um país predominantemente “fornecedor” de pessoas para o tráfico, enquanto países como Espanha, Holanda, França, Itália são “receptores”. Apesar disso, no Brasil também entram pessoas para seres exploradas no tráfico, vindas principalmente de países latino-americanos com os quais o Brasil faz fronteira, como é o caso de alguns migrantes bolivianos, paraguaios e colombianos que tem sua força de trabalho explorada aqui.As oportunidades de emprego oferecidas pelos aliciadores, que prometem gordos salários em euros e dólares, seduzem pessoas dos países de origem, onde vivem destituídos dos seus direitos mais básicos como cidadãos. Uma das principais causas do tráfico de pessoas é o abismo sócio-econômico existente entre os países ditos subdesenvolvidos ou em desenvolvimento e os desenvolvidos, discrepância intensificada pela globalização recente.Outro fator apontado pelas pesquisas de tráfico de pessoas como possível causa, é a instabilidade política e civil de alguns Estados em situação de conflito, quando mulheres e crianças são especialmente vulneráveis a abusos sexuais e trabalhos domésticos forçados. A corrupção de funcionários públicos que facilitam o tráfico pelas fronteiras e a ineficiência ou morosidade do judiciário no julgamento dos casos e na punição dos culpados, além da emigração sem documentação também fortalecem a viabilidade do crime. Quem são as vítimasEm 2002, foi realizada a primeira pesquisa em âmbito nacional para mapear as rotas do tráfico de pessoas. Foram localizadas 241 rotas de tráfico no Brasil, sendo 131 delas com destinos internacionais. A Pestraf (Pesquisa Sobre o Tráfico de Mulheres, Crianças e Adolescentes Para Fins de Exploração Sexual Comercial no Brasil ), organizada pelas sociólogas Maria Lúcia Leal e Maria de Fátima Leal, da Universidade de Brasília, contou com a participação de pesquisadores de todo o país.De acordo com a socióloga Maria Lúcia Leal, na época em que o trabalho foi feito “não se falava em tráfico de pessoas, o movimento de mulheres não tratava disso, muito menos o movimento de trabalhadoras do sexo”. A Pestraf deu o pontapé inicial para a intensificação do debate no Brasil: “De repente, a sociedade foi surpreendida com um dado dessa natureza que vai contra a dignidade humana. Tráfico de pessoas em pleno século 21”...
Por Carolina Rossetti
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